Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de fevereiro, 2020

carnaval

eu sei que, pela lei dessa alteração, eu recorro ao ruim e esse cérebro - um quebrado e ridículo gelatinoso - irriga e irriga. tornando mais nítido, mais vívido. mais hoje o remorso. e se continua mordendo. como se esquecer não fosse uma opção ou questão de tempo. refrata no corpo. cogito se alguma vez já me vi realmente , fitando de cima esse corpo como se ele eu não o fosse, arriscando os espelhos e as inconsistências que denunciam. e só há um ódio côncavo  eu só consigo contemplar o que seria e poderia ter sido e se eu não tivesse me tornado essa massa cinzenta, amorfa, molenga e fraca, sem rosto ou chance de riso, sem os buracos dos olhos...? e se houvesse a escolha de não berrar tão feio e incômodo  sempre que me venho à noite é àquele dia que descobri não estar grávida e você me disse que havia outro corpo. que outro corpo de mulher fora e ainda era possível. e estampou no meu a revolta por ser absurdo e incompetente. e sem poder decidir, antes de qualque...

não há um nós

A: ameaças, apenas ameaças.  eles disseram sempre - em tom enojado - que você era uma boa atriz e que os desarranjos não passavam de cena . são acordos de manipulação, eu ainda posso ouvi-los B: mesmo depois das lacerações, dos coquetéis e do encarceramento. até que ponto se vai por um papel? deviam saber, a partir da sua própria bibliografia, que eu não sou tão boa ou compromissada assim  B: como poderia ser calculado e pretendido se eu sinto mesmo  que meu tórax afunda a cada captação primitiva do sentido?  ser intencional me parece garantir que a maldade seria inerente e não acidental A: novamente o maniqueísmo, os polos antagônicos... B: eu não consigo parar de engolir coisas e depois de sustentá-las na boca do estômago derramá-las ácidas corroendo o que é contexto A: continuam garantindo que tudo vai ficar bem - mas esse “tudo” parece ridículo por aqui, porque nada realmente passa, apenas adormece um instante. mas as pessoas outras, sim, é ver...

A clivagem (splitting) no TPB na perspectiva psicanalítica

Também chamado de Transtorno de Personalidade Limítrofe, o TPB (cuja tradução literal indica "fronteira" ou "limite") é por vezes descrito no aspecto de síndrome, que insere subtipos de transtornos fronteiriços. Sobre a concepção do que seria esse estado Limítrofe, os autores reiteram que se trata mais de um "rico território de trocas", ao invés da noção que perdurava desde o século XX, de uma condição psíquica entre a neurose e a psicose: "(...) Green e Donnet, em 1973, associaram a dinâmica fronteiriça a um núcleo psicótico sem delírio denominado de psicose branca (DONNET; GREEN, 1973). (...) A importância, então, de definir limite como um conceito se impõe e reside não apenas no interesse teórico-clínico em delimitar dois ou mais espaços, mas, '[...] sobretudo, ver quais serão as passagens, as transgressões que poderão ocorrer de um espaço para o outro, e nos dois sentidos' (GREEN, 1986a/1990, p. 19). O limite não é, portanto, apenas uma li...

na ala psiquiátrica

Fui internada no final de 2018. Eu estava em crise desde o primeiro semestre de 2016, mas só percebi meses depois. O humor deprimido não variava muito, ainda que o TPB tenha sua base em oscilações bruscas e breves dos estados humorais. Era como se dentro daqueles desânimo e vazio crônicos eu apresentasse episódios pouco nítidos, mas muito impulsivos, de raiva e tristeza, e nesses momentos tudo em que eu conseguia pensar era me machucar e dar um fim nisso. A automutilação acontecia uma ou duas vezes na semana e as tentativas de suicídio eram também frequentes. Eu não tinha perspectiva nenhuma de um futuro em que isso amenizasse, então toda oportunidade que eu tinha, direta ou indiretamente, tentava me ferir. Os diagnósticos que eu havia recebido até então eram errados e eu tomava medicações que não apenas não resolviam os problemas, como intensificavam os sintomas e me mortificavam fisicamente. Então eu parava por conta própria e quando se tornava insustentável um outro médico p...

O critério do consentimento perdoa o estuprador

A cartada de mestre das leis patriarcais é o estabelecimento do critério “consentimento”. “ Se ela consentiu, não é crime” - ou pelo menos não tão crime ou violência quanto o caso daquela que lutou e esbravejou. A cultura é homogênea quanto à endossar e proteger comportamentos típicos de quem estupra, prostitui e agride. Mulheres nascem e são criadas num ambiente que lhes diz que a única resposta possível é “sim”.  A feminilidade é o adestramento social dessas mulheres de acordo com os desejos e expectativas dos donos do discurso, do dinheiro, e, por consequência, delas mesmas. É impossível fugir completamente de sua influência brutal mesmo depois que você a percebe e a despreza, pois ali está ela, antes e depois de você, devorando tudo aquilo que perfaz o ser mulher em sociedade. Quanto mais novas, pobres e sozinhas, mais passivas e alienadas somos, pois não há meio intelectual e material suficiente para lutar contra a feminilidade.  A possibilidade de escolha só e...

A análise psicológica de Hitler, por Langer (1943) - PARTE 2

No último capítulo do livro de Langer, VI. Seu provável comportamento no futuro , o psicólogo lista algumas possibilidades, entre improváveis - Hitler pode morrer de causas naturais, pode pedir asilo político num país neutro, os militares alemães podem se revoltar e prendê-lo, ou pode cair nas mãos dos americanos - e possíveis - pode morrer em batalha, pode ser assassinado, pode enlouquecer. Entretanto, a mais defendida é que Hitler suicidaria, o que de fato aconteceu. Ele já havia ameaçado isso varias outras vezes e confessara a Hauschning que, “ na hora do perigo supremo, se sacrificaria pelo povo”.  O fato de os judeus terem sido escolhidos como bode-expiatório do nazismo ainda divide historiadores e aponta para varias causas; no século XIX as ideias do darwinismo social estão em vigor, e na década de 1930 o preconceito alemão contra os judeus já fora construído; as acusações giravam em torno de motivos econômicos e religiosos (judeus eram acusados de entregar Cristo ao...

A análise psicológica de Hitler, por Langer (1943) - PARTE 1

Em 1943, a pedido do antigo FBI, o psicólogo norte-americano Walter Langer elabora um relatório à distância sobre a análise psicológica de Hitler, a partir de contato com pessoas próximas, da observação minuciosa de seus comportamentos privados e públicos, e do estudo de seus discursos. Apesar de não tão preciso quanto uma análise direta com a cooperação do paciente, o relatório de Langer fornece bases para a explicação de como a personalidade doentia de Hitler foi construída e como era possível exercer tamanha influência sobre o povo alemão comum. É necessário frisar que muito da rigidez de pensamento e do padrão de comportamento de Hitler se assemelham ao do próprio Bolsonaro - o que oferece a possibilidade de que certos traços psicológicos e materiais sejam comuns a chefes de governos autoritários. O livro de Langer se divide em seis partes, são elas: como ele acredita ser, como o povo alemão o conhece, como seus colaboradores o conhecem, como ele se conhece, análise e reconstrução ...