A: ameaças, apenas ameaças. eles disseram sempre - em tom enojado - que você era uma boa atriz e que os desarranjos não passavam de cena. são acordos de manipulação, eu ainda posso ouvi-los
B: mesmo depois das lacerações, dos coquetéis e do encarceramento. até que ponto se vai por um papel? deviam saber, a partir da sua própria bibliografia, que eu não sou tão boa ou compromissada assim
B: como poderia ser calculado e pretendido se eu sinto mesmo que meu tórax afunda a cada captação primitiva do sentido?
ser intencional me parece garantir que a maldade seria inerente e não acidental
A: novamente o maniqueísmo, os polos antagônicos...
B: eu não consigo parar de engolir coisas e depois de sustentá-las na boca do estômago derramá-las ácidas corroendo o que é contexto
A: continuam garantindo que tudo vai ficar bem - mas esse “tudo” parece ridículo por aqui, porque nada realmente passa, apenas adormece um instante. mas as pessoas outras, sim, é verdade - elas sempre ficam bem. existe uma espécie de base que se mantém não importam as adversidades e isso parece tão maravilhoso quanto é tragicamente desordenante para aqueles que não a possuem
C: certo eu entendo o mínimo mas o que você queria? quanto esforço pode ainda ser feito em nome de uma outra pessoa? o que afinal você quer? que se desprendam de suas rotinas pra acalentar seus dramas matinais? você sabe como horários são importantes lá fora e eles não podem se doar tanto. eles não são você
B: essa noite sonhei que eu era estuprada outra vez, e eu o amava, entende? e minha mãe aparecia assistindo como uma espécie de consciência frígida e depois me ordenava, com a mesma expressão enojada, que eu ficasse longe. mas eu o amava e acordei com aquela sensação comum de manter perto o que te intoxica
B: todas as energias são direcionadas pra isso, e isso é subitamente tudo que importa. não existe nada mais e se há qualquer abalo todo o frágil cenário é questionado também
primeiro lentamente como se eu lutasse pra resistir ao costume e ao itinerário da queda até que -
e então sobra observar passiva aos fios se acumulando no chão, ao sangue nas gengivas e a todos os órgãos se irritando e então, sabe, você simplesmente decora depois desse tempo que se não for sedada é quase obrigada a tentar se dissipar aos rosnados outra vez
A: mas sua mãe divina e ambígua (como tudo o é) - ela depende de você
B: mas não parece justo se (a)ssujeitar à vida estritamente por causa de uma outra pessoa principalmente quando você a adoece e como numa síndrome de Estocolmo ela se ilude de que estaria pior sem você, quando na verdade nenhum baque seria pior do que sua continuidade aqui
B: eu deveria ter sido abortada (não existe qualquer carga moralizante e negativa nisso), mas era sua escolha. sobre ele acho que foi a única coisa coerente que ele disse na vida mesmo que sua intenção fosse egoísta. é ridículo o quanto lutam pelo direito à vida do feto quando não questionam sobre o impulso à morte daqueles que nascem indevidamente
foi um engano, sabemos. eu lamento
A: eles continuam dizendo que vou melhorar, mas até lá, quanto não já foi alienado?
C: pra elas, as pessoas - sempre existe mais no que se ocupar e distrações e desvios de atenção e possibilidades. como isso funciona, como eu consigo?
elas não estão presentes realmente, já que estão sempre tomadas pelo susto e pelo asco.
C: como fazer as coisas tornarem a existir, tornarem a ter sentido nelas mesmas?
ao redor as luzes diminuem até que só sobre - como numa manobra de emergência para poupar energia - uma única luz dura e fosca incidindo do teto e não há chão - só os pés pendurados espasmando discretos vez ou outra
A: talvez eu precise encontrar algo insosso e inofensivo o bastante pra que eu seja capaz de imunizar o contato
B:
C:
A: ...encontrar isso antes de estalar mais cartelas e apagar lerdamente aos trechos inteiros...
A: ...e enquanto me enterro no travesseiro há o cheiro maravilhoso da minha mãe que não estava ali aos meus 2, 3 anos...
A: ...e vou brincando enquanto grito de reconstruir as fases
A: condensando à força essas reações personificadas que o medo decepou
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