Também chamado de Transtorno de Personalidade Limítrofe, o TPB (cuja tradução literal indica "fronteira" ou "limite") é por vezes descrito no aspecto de síndrome, que insere subtipos de transtornos fronteiriços. Sobre a concepção do que seria esse estado Limítrofe, os autores reiteram que se trata mais de um "rico território de trocas", ao invés da noção que perdurava desde o século XX, de uma condição psíquica entre a neurose e a psicose:
"(...) Green e Donnet, em 1973, associaram a dinâmica fronteiriça a um núcleo psicótico sem delírio denominado de psicose branca (DONNET; GREEN, 1973). (...) A importância, então, de definir limite como um conceito se impõe e reside não apenas no interesse teórico-clínico em delimitar dois ou mais espaços, mas, '[...] sobretudo, ver quais serão as passagens, as transgressões que poderão ocorrer de um espaço para o outro, e nos dois sentidos' (GREEN, 1986a/1990, p. 19). O limite não é, portanto, apenas uma linha divisória ou uma simples fronteira que separa um espaço do outro, mas sim uma rica noção que aponta para um território de trocas, no qual se produzem transições e transformações (GREEN, 1986a/1990)."
De acordo com as autoras, essa fragilidade dos limites traz em seu cerne a CLIVAGEM (splitting), que promove extremos de idealização e demonização, numa dinâmica maniqueísta correspondente a mecanismos radicais de negação. Esse processo polar e cíclico seria decorrente de experiências traumáticas primitivas que interferem na constituição pessoal. A clivagem é usada como "forma de compensar sua incapacidade de suportar a ambivalência, condição que pressupõe a possibilidade de experienciar conflitos".
Os extremos variam entre representações das qualidades de bom e mau, apontando assim para uma intensa rigidez mental quanto a julgamentos, ponderações e objetividade, em que tanto sujeito quanto objeto é "clivado em duas partes simetricamente opostas que encenam oscilações dramáticas na dinâmica fronteiriça, na qual o mau articula-se à onipresença e o bom à inacessibilidade".
O processo de clivagem, assim como muitos dos sintomas do transtorno Limítrofe, origina-se em rupturas traumáticas que comprometem a constituição da identidade e da personalidade, chamadas pela clínica psicanalítica de "sofrimentos narcísicos-identitários". Essa "falta" apontada por Roussillon (1999) expressa intensamente a problemática identitária presente nas dificuldades na separação eu/outro, no processo de subjetivação e na estruturação do pensamento." Isso significa que os mecanismos de clivagem comprometem, ainda, a capacidade de discernir limites precisos entre o si mesmo ou self e a identidade alheia, pois rompe com a capacidade de consistência e de segurança básica da própria identidade do portador.
Como a clivagem parte também de um mecanismo de defesa pautado na negação, é necessário diferencia-la daquilo que é "recalcado" ou reprimido;
"Na operação de recalque, a energia psíquica encontra-se retida e os elos permanecem intactos, estando apenas recombinados com outras representações ou afetos. As combinações originais no elo associativo são substituídas por outras, no entanto, a função vinculadora é preservada, pois ela é apenas transformada e não danificada. Na clivagem, por outro lado, '[...] os elos são destruídos ou de tal forma prejudicados, que somente através de um intenso esforço o analista pode adivinhar o que poderiam ter sido' (GREEN, 1977/1988, p.84)."
Ou seja, acredita-se que as experiências primeiras que motivaram a clivagem não são apenas inconscientes e instintivas, como não decodificáveis e irrecuperáveis do ponto de vista de prejudicarem o funcionamento psíquico. Os elos que são, também inconscientes, apenas elípticos na operação de recalque são, na clivagem, destruídos quase por completo.
Quanto aos comportamentos polares de idealização e demonização, é importante garantir que acontecem naturalmente, e em todos, como constituintes de crivos, mas que não têm sua capacidade estruturante de ponderação e transições prejudicadas, possibilitando lógica e julgamentos sensatos. No transtorno Limítrofe,
"(...) a idealização se torna excessiva e patológica em constituições psíquicas marcadas por traumatismos primários que desorganizam os limites no interior do aparelho psíquico interferindo drasticamente na relação sujeito/objeto. Em configurações subjetivas pautadas em traumas desestruturantes a necessidade de exaltar o objeto bom ou os fragmentos deste, revestindo-o de fantasias de perfeição, está diretamente relacionada às intensas e insuportáveis frustrações experimentadas no início da vida."
A idealização costuma ser excessiva e contraproducente, possibilitando exposição a situações de abuso pelo comprometimento da visão. A negativação se revela como impulso de defesa, introduzindo atitudes de autosabotagem. Assim, as relações se mostram dependentes de antagonismos e dicotomias que se pautam em apoteoses do suposto positivo e vilanização do que é acreditado como negativo. Há então uma distorção complexa entre objetos reais e imaginários que criam "relações assimétricas" de ambiguidade e confusão mental, em que as verdades são pouco ou nada claras. Como as idealizações são excessivas,
"(...) lançam o sujeito em uma dependência absoluta em relação ao objeto idealizado. Trata-se de uma relação passional, de submissão patológica, na qual o eu é consumido, escravizado e destituído de valor. Sua autonomia é sacrificada em prol da árdua tarefa de manter o objeto purificado, protegido e imaculado. A este respeito Baranger (1966) já esclarecia: 'O eu se sente escravo do objeto, não se sente mais valorizado e não possui vida própria, se reduz a uma crosta superficial, a uma casca envolvendo o objeto idealizado. […] o objeto idealizado está enquistado dentro do eu que se subordina compulsivamente a sua preservação. […] o objeto idealizado chega a exercer uma função persecutória.'". Isso também explica a dependência emocional a que estão sujeitos os portadores, necessitando manter a todo custo o objeto da apoteose, gerando tantas vezes episódios de auto abuso. A escravização desse "eu" acontece porque este se encontra refém (e pouco perceptivo) da manutenção do objeto (em geral, relacionamentos), e assim essa idealização, tida como reação ao que é supostamente positivo, se torna negativa e patológica.
"Este estado de servidão mostra que a vulnerabilidade narcísica desses sujeitos os leva a um movimento excessivo de exteriorização em decorrência da frágil capacidade de interiorização (CARDOSO, 2005/2010, 2007/2010). O processo de interiorização pressupõe a assimilação do objeto (BARANGER, 1956) enquanto estrutura psíquica (GREEN, 1988a/2010), situação que não ocorre nos pacientes limítrofes. Assim, os casos-limite, na tentativa de preencher o esvaziado campo psíquico, ocupado por um objeto oco, se lançam em 'uma espécie de abertura desesperada ao outro, para o outro' (CARDOSO, 2007/2010, p.81), processo que visa, em princípio, a um enriquecimento egóico, mas que, paradoxalmente, redunda, por fim, em um empobrecimento subjetivo. A exteriorização é, portanto, marca central destas patologias, nas quais '(...) o objeto é insistentemente procurado no exterior, via compulsão à repetição (CARDOSO, 2007/2010, p. 88)'".
A vulnerabilidade identitária, e portanto, emocional, atua induzindo os portadores a situações de abuso intra e interpessoais, pois se busca no ambiente (pessoas, relacionamentos) o complemento e a significação dessa ausência de si. O medo do abandono, o vazio crônico e os esforços desesperados para manutenção de relações pouco ou nada saudáveis, sintomas-chave do transtorno, são por isso explicados. Porque não ter essa ilusória estruturação interna significa contemplar os também ilusórios, porém substanciais a nível psíquico, vazio e inexistência de si mesmo.
Fonte:
Clivagem e idealização: sobre o luto impossível nas patologias limítrofes
Splitting and idealization: on the impossible mourning in borderline pathologies
Luiza da Costa Mendes
Claudia Amorim Garcia
2015
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-62952015000200002
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