Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de abril, 2020

18/04, 19:25

Lembro vagamente. Chorava às birras contra tomar banho, e minha mãe me empurrava gentilmente sob o chuveiro, é rapidinho . Foi buscar a toalha, fiquei sozinha com os soluços por um instante. Então, julguei que me afogaria sob o chuveiro, um pânico vário. Coisa de criança. Mas eu tenho 22 anos. O choro não cessou quando atravessei o box ou enquanto ela me secava e vestia. Não era sobre o banho, nem sob o estandarte dele - quando pareceu haver um odor pútrido emanando de debaixo da pele, e não era possível que ninguém mais desse conta. Não era nem mesmo sobre o declínio de, após muito custo aprender as atividades essenciais, havê-las outra vez perdido. era uma lástima como um ponto no espaço, incognoscível. eu ouvi vulgar o tal inexplicável mas julguei que fosse apenas questão de entrar em contato com as palavras certas. achei improvável que algo não pudesse ser transposto. não até então. porque o significado é o primeiro a se esvair.  isso não é só uma louça suja, ou um ...

08.04

Primeiro você não consegue escrever. O que se quer dizer parece contido entre barricadas, e embora você seja obrigada a engolir de volta as ideias distorcidas e protestantes, ainda não há o que se preocupar. Sua resistência ao que dá errado foi treinada em expansão. Mas come pelas beiradas , e logo você não consegue ler. Desinteressa pelas cadeias de palavras, uma irritação que só se aguda conforme voce perde o fio da meada da semântica, e decodifica automaticamente os signos sem ter ideia do que querem dizer. Nenhuma daquelas palavras parece guardar conexão com seu mundo; nesse ínterim de agonia concisa não há espaço pra comunicação. Você percebe o domo descendo . O ar rarefeito, pausado na traquéia aninhado no grito. Você sente o vácuo se enroscando nos cabelos, nos objetos, nas flores.  grito algum pode nascer.  Mas é somente quando não sou capaz de pensar que tenho a convicção de que a redoma retornou; ergo a cabeça dos lençóis febris e suspiro cara ao vidro embaçado. Não...

A neurociência prova que o livre-arbítrio é uma ilusão?

Costuma-se conceber livre-arbítrio como a possibilidade de escolher baseando-se unicamente na própria vontade e sem qualquer influência externa (causas determinantes). Quanto a isso: 1) sendo o homem o produto de uma  triangulação dinâmica biopsicossocial  (cujos elementos necessariamente interagem e se retroalimentam), o ambiente tanto molda o sujeito quanto é reflexo dele. Assim, é realmente possível apartar-se das variáveis externas no processo de escolha?  2) o fato de as opções disponíveis aos sujeitos serem elas próprias filtradas por influências sociais, culturais e econômicas, e portanto resultarem muitas vezes em possibilidades limitadas e escolhas previamente definidas, é prova suficiente de que o livre-arbítrio é uma ilusão? 3) ainda que seja possível fazer o que queremos,  até que ponto realmente queremos o que queremos? Três trabalhos neurocientíficos recentes (Soon, Brass, Heinze e Haynes, 2008), revisando o experimento de Libet (1983) através de fMRI (...

07.04

às vezes horas. noutras, dias.  quando tudo está sob controle eu sou privilegiada, e o ataque sorrateiro só vem à noite. me dou cabo, respondo com mais ataque; se esse rosnar parte do meu corpo, é a ele que me volto com igual violência.  a violência primordial é existir a partir de um inconsciente-centrífuga que sim e não  - o cabelo no chão faz cócegas nos meus pés descalços e há pele debaixo das minhas unhas retornam os bizarros odores que ninguém mais testemunha. notas de azedume, putrefação e mofo em mim. sei que é um anúncio - ela vem vindo. anteontem funcionei; dormi um bocado mais, minha pele tinha um tom fresco. as pálpebras como toldos recolhidos e meus olhos atentos e rápidos. estudei, li, consegui contatar algumas pessoas. ri, pensei que duraria isso e não a peste lá fora, resistindo nas superfícies e empilhando corpos ainda assustados por, sem prévio aviso, não serem mais pessoas com família e planos. corpos quaisquer sem dignidade de despedida, co...

O modelo biopsicossocial (Engel, 1977), a psiconeuroimunologia e a Medicina Integrada

O modelo biopsicossocial de Engel (1977), bem como suas evidências na Psiconeuroimunologia, evidenciam que o adoecimento humano é, antes de tudo, uma  forma de expressão particular , caracterizada pela  inter-retro-reação  das dimensões celulares, teciduais, orgânicas, assim como interpessoais, ambientais e históricas, concebendo o sujeito de forma holística. O objetivo terapêutico da medicina não deve mais ser restituir a “normalidade” anatomofisiológica do corpo, e sim resgatar a autonomia  comprometida, voltando-se assim para a dialética da prevenção de doenças e da promoção da saúde.  Na atualidade, o modelo de Engel encontra possibilidade principalmente na  clínica , cuja característica fundamental é o foco na  humanização , onde a  "observação (visão externa), introspecção (visão interna), e o diálogo (entrevista) são a base da  tríade metodológica para o estudo”,  e no modelo de  Medicina Integrada , cuja função é prom...