Primeiro você não consegue escrever. O que se quer dizer parece contido entre barricadas, e embora você seja obrigada a engolir de volta as ideias distorcidas e protestantes, ainda não há o que se preocupar. Sua resistência ao que dá errado foi treinada em expansão.
Mas come pelas beiradas, e logo você não consegue ler. Desinteressa pelas cadeias de palavras, uma irritação que só se aguda conforme voce perde o fio da meada da semântica, e decodifica automaticamente os signos sem ter ideia do que querem dizer. Nenhuma daquelas palavras parece guardar conexão com seu mundo; nesse ínterim de agonia concisa não há espaço pra comunicação. Você percebe o domo descendo. O ar rarefeito, pausado na traquéia aninhado no grito. Você sente o vácuo se enroscando nos cabelos, nos objetos, nas flores. grito algum pode nascer.
Mas é somente quando não sou capaz de pensar que tenho a convicção de que a redoma retornou; ergo a cabeça dos lençóis febris e suspiro cara ao vidro embaçado. Não me dou ao trabalho de me esticar em busca da compreensão tátil. As patas pesam como subitamente inchadas de linfa, de sangue grosso, do desassossego do real. As ideias todas saltam de filtros de distorção, moldadas novamente em padrões rígidos e inflexíveis que não suportam contra-argumentos, num trânsito impossível. Acidentam-se como moscas contra as paredes de uma garrafa, e a mutilação não é suficiente pra para-las. É uma sina de euforia maníaca, e ideias distorcidas não descansam nem conhecem o privilégio da morte. Se esbarram e se arrebentam, as abstrações de sílabas finais das frases se unem às iniciais das outras frases como centopéias e o texto não se encerra. Brotam do pútrido como geração espontânea, larvas paranóicas de terrores noturnos tão antigos que julguei superados. Dívidas. O de-dentro debocha da arrastada cronologia humana e eu tambem me infecto pela familiaridade nenhuma com esse tempo. E uma arquitetura exigente é erguida sob as ideias. Split. São colunas dicotômicas, antagonicas, bipolares. Imediatamente contrárias, desmentindo confianças cuidadosamente construídas, arruinando certezas dolorosamente conquistadas. É um jogo que desconhece ética; as peças deslizam a um estágio transitório ou se largam violentamente no território oposto. Agora tudo é outro, um outro costurado de retalhos de memórias, traição, medos conspiratórios. Debaixo da cama, dentro do armário, do outro lado do espelho: não se parte de matéria ou do real. É meu verso que inversa também o retrato por fora. É importante essa compreensão porque os motivos são apenas parcialmente externos. Falamos de gatilhos como entidades físicas independentes e apartadas que por si só são responsáveis e provocam isolados. Não. São apenas a unha que desnuda a ferida. Existe antes e sempre. Não são por isso menos armas, menos cruéis. Como você se arriscou a acreditar? Agora ainda mais vulnerável, numa missão kamikaze de estilhaçar. A máxima primeira é que nenhum afeto por você possui potencial de se manter. E toda impressão pode e deve ser facilmente convencida de não passar de um equívoco, um engano, uma ilusão mediada pela vontade de ser destino de afago, de desejo, de plano alheio. Você é um passatempo de sujeitos masoquistas, uma caricatura ridícula que entretém enquanto não se encontra uma mulher real. Você é um esboço. Ninguém nunca, jamais, vai cumprir contigo uma existência conjunta. E permanecem brevemente apenas por uma promessa de melhora, de conserto. Você é incompleta e por isso permite que te enfiem os próprios imperativos, frustrações, ansiedades. Você é o pior coletivo.
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