Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de março, 2020

eigengrau

se confiam no mito da autoestima cujo sinônimo é “se sentir bonita(o)”. em mim os dias não têm linearidade. me deito em pré-luto: ao cair no sono ela some e me escapa, nunca soube como acontece. ao invés de uma constatação frívola de beleza estética, essa sensação é sobre um bem-estar e um conforto pacífico comigo mesma . nesses dias eu não me agrido; nesses dias eu não preciso me esforçar tanto pra parecer minimamente útil e aprovável ao meu crivo demoníaco. posso não ser produtiva, posso esquecer da aparência, posso fazer o que escolher e tenho direito de ir e vir sem o martelar obsessivo por trás dos olhos. eu não preciso ser além . ter uma autoestima deficiente me dissocia desse corpo de um modo tão violento que eu desaprendo a atividade mais básica. quando em público eu tremo, eu travo, as palavras se embolam, meu andar se atrapalha, eu adquiro uma postura passiva sem voz e me maldigo incondicionalmente. é uma espécie de constrangimento de mim mesma tão grande que taref...

A aproximação entre fenomenologia-existencial e clínica psicológica

Quando Jaspers, em 1913, funda a Psicopatologia como ciência autônoma (e portanto desvinculada da clínica psiquiátrica), utiliza o  método fenomenológico,  compreensivo e descritivo, criando assim a “ psicopatologia fenomenológica ”, também chamada de Psicopatologia Geral. Aquilo que era concebido apenas como sintomatologia (e portanto objetivado e distanciado de quem o apresentava) é ampliado para a compreensão de vivência , com a preocupação de serem avaliadas exclusivamente a partir do relato e da visão do paciente (os dados em si mesmos). Como ciência predominantemente descritiva, a  psicopatologia fenomenológica não se ocupa com as causas das manifestações, embora seu emprego seja um pré-requisito para qualquer investigação causal. Essa abordagem compreende que "o discurso sobre o sofrimento psíquico não é uníssono, mas sim polifônico, cujas ressonâncias ecoam em diversos modelos explicativos dos transtornos mentais". (Henriques, 2010) Desde 1980, o discurso bio...

As CBS (Síndromes Ligadas à Cultura): as influências socioculturais e borderline

As Síndromes Ligadas à Cultura ( Culture-Bound Syndrome), embora pouco mencionadas em manuais e contextos psiquiátricos tradicionais, são frequentes em trabalhos de antropologia e de psiquiatria transcultural (também chamada etnopsiquiatria). O termo foi incluso no DSM-IV (1994), no apêndice " Plano para formulação cultural e glossário para síndromes ligadas à cultura " (APA, 1995, p.793). Entretanto, na quinta edição do manual (2014) a classificação foi reavaliada e decomposta nas sessões de transtornos somáticos e de formulações sobre cultura, que visam ponderar o diagnóstico. Como já discutido aqui, o projeto do DSM-V foi elaborado com vistas a ser o mais ateórico e objetivo possível, promovendo o sutil distanciamento do sujeito portador, facilitando a medicalização e minimizando espaços para ressalvas.  No CID-10 o termo CBS não é utilizado, e as síndromes comumente entendidas como CBS estão incorporadas à classificação no item F48.8, " outros transtornos neuróticos ...

O “normal” e o patológico através do conto o Alienista (Assis, 1881) e da normatividade de Canguilhem

A classificação em normal ou patológico parece cristalizada nos imaginários; entretanto, isso se dá por influência continuada dos critérios médicos modernos a que somos expostos. Como todas as tipologias artificiais, esta também serve à História e à intenção dos homens e mulheres. Quando se reflete a fundo sobre como se pode conferir ao pensamento-comportamento de determinada pessoa os status de normal ou doentio, vários são os critérios de normalidade existentes; contudo, três se destacam: o subjetivo, o estatístico e o qualitativo.  a) critério subjetivo: associa a doença ao sofrimento , logo, está doente quem se sente doente. b) critério estatístico ou quantitativo: toma o normal como sinônimo de comum , frequente, ou mais próximo à média;  c) critério qualitativo: define que o normal é aquilo adequado a determinado padrão funcional considerado ótimo ou ideal.  Contudo, falhos como toda tentativa de sistematizar ou homogeneizar àquilo que é humano, tais critérios são...

Breve histórico da “loucura”: da pré-história à clínica psiquiátrica moderna de Kraepelin

Plurissignificativa, a " loucura " reivindica espaço desde a constituição das primeiras sociedades humanas, quando a convivência e a funcionalidade do cotidiano passaram a destacar incidências discrepantes ou peculiares no comportamento de determinados indivíduos. É apenas na virada do século XVIII para o XIX que a loucura ganha status de patologia mental , sendo apropriada pelas ciências psiquiátricas e psicológicas modernas. As sociedades pré-históricas e antigas possuíam uma concepção sobrenatural da loucura (cujos resquícios perpassam a história da patologia mental e alcançam, estupidamente, o século XXI): a mesma era obra de maus espíritos e de possessão. Foram encontrados fósseis do período Neolítico cujos crânios perfurados fornecem indícios de psicocirurgias primitivas, as trepanações, com intenção primordial de exorcismo. Na Grécia e Roma Antigas (500 a. C. a 500 d. C.), as explicações naturais passaram a mesclar-se às explicações sobrenaturais. Hipócrates de Cós ...