apesar de ser secular a hipótese de que estados psicológicos podem resultar em doenças, apenas recentemente se fizeram possíveis os instrumentos e mecanismos adequados para explicar objetivamente as interações. assim, o termo "psiconeuroimunologia" foi introduzido em 1981 por Robert Ader, para definir o campo da ciência que estuda a interação entre o sistema nervoso central (SNC) e o sistema imunológico.
Mello Filho (1983) aponta o sistema imunológico como o grande elo entre os fenômenos psicossociais e os vários terrenos da patologia humana, como as doenças de hipersensibilidade, auto imunes, infecciosas e neoplásicas. Syvlahti (1987) cita que, além da auto-regulação do sistema imune protegendo organismo, ele está também sobre regulação externa, especialmente dos sistemas endócrino e nervoso.
foi Hans Selye (1936) quem primeiro utilizou o termo "stress" para traduzir a capacidade do indivíduo (que pode ser mais ou menos predisposto) de resistir aos choques emocionais e às agressões do mundo exterior, sendo esse estresse uma resposta não específica do organismo a uma exigência que lhe é feita.
a imunocompetência envolve os estados emocionais, o tipo e a intensidade de estresse que a pessoa está enfrentando, as características de personalidade e a qualidade das relações sociais; situações de estresse alteram o número e a função de um grande número de células do sistema imunológico, prejudicando sua atuação.
Solomon e Moss (1983), analisando as inter-relações entre processo imunológico e as influências do estresse e emoções sobre o mesmo, revelam que o estresse, por via hormonal, atua sobre populações celulares como os linfócitos B, T e macrófagos (os principais alvos). Tal inter-relação é uma comunicação bidirecional entre os sistemas neuroendócrino e imune, em que a resposta imune unifica os sistemas; o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA) e o sistema simpático adrenomedular são os componentes neuroendócrinos e neuronais primários da resposta ao estresse. a comunicação se manifesta inicialmente pelo estímulo que a emoção exerce sobre o encéfalo, que em seguida transmite a informação ao hipotálamo. o hipotálamo transmite a informação à hipófise, que passa a secretar vários hormônios estimulantes. a mensagem hormonal recebida pelas glândulas supra-renais faz com que estas produzam hormônios com ação potencializadora ou supressora sobre o sistema imune, com consequente alteração da defesa imunológica do indivíduo.
essa comunicação bidirecional entre os sistemas ocorre, primeiramente, porque as células do sistema imune podem sintetizar peptídeos hormonais neuroendócrinos biologicamente ativos; em segundo, porque as células imunes também possuem receptores para estes peptídeos; em terceiro, porque estes mesmos hormônios neuroendócrinos podem influenciar a função imune; e quarto, porque as linfocinas podem influenciar os mecanismos neuroendócrinos.
As ligações entre o SNC e o sistema imunológico foram identificadas por meio de linfócitos como as NK, que possuem receptores para os neurotransmissores. as ligações entre os sistemas também ocorre através de mediadores hormonais como as catecolaminas (epinefrina e norepinefrina), cortisol, prolactina, ACTH, TSH, hormônio do crescimento ou opiáceos endógenos. além disso, existe enervação simpática e parasimpática dos órgãos linfóides (Felten & Olschowka, 1987). já do outro lado, os comportamentos que são associados a características psicológicas ou de respostas ao estresse também podem influenciar o sistema imunológico: fumo, alimentação e sono inadequados, falta de exercícios físicos etc.
acontece que quando a alça regulatória das respostas ao estresse é prejudicada, a liberação excessiva dos hormônios de estresse antiinflamatórios (como o cortisol) pode predispor o indivíduo a mais infecções devido à imunossupressão relativa.
as citocinas pró-inflamatórias, por exemplo, causam uma série de mudanças de comportamento e mal-estar não-específicos associados à enfermidade, tais como: febre, fraqueza, mal-estar, apatia, incapacidade de concentração, sentimento de depressão, letargia, anedonia e perda do apetite. aos poucos foi questionada a ligação entre as citocinas (ou os genes que as codificam) e os transtornos depressivos. Licinio & Wong sugerem que o compartimento central das citocinas estaria ativado nos transtornos psiquiátricos, ativação essa não desencadeada por processo inflamatório, mas possivelmente por fatores como estresse, neurodegeneração e predisposição genética.
Herbert e Cohen (1993) concluíram que os deprimidos exibem: uma menor resposta de proliferação dos linfócitos; menor atividade dos linfócitos NK; e um menor número de células NA, B, T, T auxiliadoras e T Supressoras / Citotóxicas - isso mesmo quando controlados os comportamentos potencialmente prejudiciais para o sistema imunológico tão comuns aos sujeitos deprimidos (hábitos de exercício, dietas, fumo, medicamentos etc). além disso, os estudos de Kemeny, Weiner, Duran, Taylor, Visscher e Fahey (1995); Irwin, Daniels, Smith, Bloom e Weiner (1987b) e Linn, Linn e Jensen, (1984) provaram que quanto maior o grau de humor negativo, maior é a imunosupressão - e o oposto também se faz verdadeiro: após indução de humor positivo foi aumentada a proliferação de linfócitos.
a tendência para o desânimo e pessimismo foi relacionada ao pior funcionamento do sistema imunológico (e.g. Kamen-Siegel, Robin, Seligman, Dwyer & 1991); as estratégias inibitórias, repressivas ou de negação têm sido associadas a mais irregularidades do sistema nervoso autônomo e no sistema imunológico, bem como ao aumento de sintomas físicos.
Garssen e Goodkin (1999) verificaram que repressão de emoções negativas e o baixo suporte social são fatores de risco para o câncer.
os sujeitos introvertidos são mais suscetíveis a contrair infecções respiratórias superiores após uma exposição viral (Broadbent, Broadbent, Phillpots, Wallace & 1984; Totman, Kiff, Reedy & Craig, 1980) e têm mais infecções periodontais (Manhold, 1953; cit. por Cohen, 1994).
estudos como o de Cohen & Willis (1985) mostram que pessoas com mais suporte social são mais saudáveis, têm menos probabilidade de perturbações emocionais e de ficar fisicamente doentes; a longevidade está relacionada com pertencer a grupos sociais privilegiados, sendo a percepção de suporte social um fator protetor face a eventos estressores. além disso, o efeito do isolamento social para a saúde é comparável ao efeito de fatores de risco como fumar, alterações na pressão sanguínea, lipídios no sangue e obesidade (House, Landis & Umberson, 1988). são os sujeitos com mais e melhores contatos sociais que têm os episódios de gripe mais leves e menos frequentes (Cohen, Doyle, Skoner, Bruce, & Gwaltney, 1997).
hoje sabe-se que os órgãos alvo do estresse são principalmente o aparelho digestivo, coluna vertebral, pele, sistema respiratório, coração e sistema circulatório. nestes órgãos, o estresse pode exteriorizar-se, respectivamente, através de úlcera gástrica e colite; lombalgia; herpes, eczema e alergias cutâneas; asma e rinite; infarto e depressão. o estresse atua mais fortemente sobre a vida sexual da mulher, pois altera a fertilidade pela ausência de ovulação e desequilíbrio hormonal no ciclo menstrual; no homem, pode estar relacionado com a impotência sexual.
Mello Filho (1983) cita vários exemplos salientando a importância do estado psíquico na eclosão de doenças: caso de linfomas e leucemias frequentemente ocorrendo após situações de perda, separação e depressão; modificações na flora microbiana do trato respiratório rompendo o equilíbrio e favorecendo a instalação de um processo de faringite bacteriana relacionadas com episódios de depressão; desencadeamento de lesões herpeticas, psoríase e asma a partir de situações de tensão emocional; crises de colite ulcerativa relacionadas com situações de perda e depressão; pacientes com artrite reumatoide apresentando traços comuns de bloqueio afetivo, tendências depressivas, situações de perda e rejeição; desencadeamento de lúpus eritematoso sistêmica ou após situações de perda, medo e conflitos familiares.
foi observado que situações em que não há condições de falar geram uma inibição que pode ser prolongada, durando meses ou anos; inibir é um processo ativo, por ser mais ou menos consciente (pois voluntário é o exercício afastar continuamente pensamentos, comportamentos ou emoções); assim, a inibição exige trabalho fisiológico e está associada ao aumento da atividade do sistema nervoso autônomo, aumento da condutividade da pele, ativação do sistema nervoso central nas regiões do septo e hipocampo, e activação nas áreas corticais (cf. revisão realizada por Pennebaker,1988). não falar aumenta a interferência cognitiva, e os acontecimentos não adequadamente assimilados mantêm ativadas as respostas fisiológicas e emocionais a ela associadas. por isso, quando ocorre por períodos de tempo muito longos, conduz a mais episódios de doença e dificuldades imunológicas. exemplo disso é o estudo de Pennebaker, Kiecolt-Glaser & Glaser (1988), em que descobriu-se que nos sujeitos que escreveram sobre situações traumáticas por alguns dias houve melhoria da eficácia dos linfócitos T e aumento significativo de linfócitos CD4, ou seja, uma resposta mais eficaz do sistema imunológico.
a maior parte do estresse deriva de "micro-traumas", isto é, as “agressões silenciosas”: são fatos corriqueiros, repetitivos, padrões que se dão na vida das pessoas e que geram respostas inadequadas do organismo (como fabricar em demasia alguma substância), e como as reações são sempre em cadeia, a produção demasiada de substâncias sobrecarrega também outros processos. primeiramente ocorrem alterações energéticas, depois funcionais, e em seguida estruturais.
estímulos diferentes geram respostas fisiológicas semelhantes: não importa se a ameaça vem de um vírus ou do temor de falar em público, pois para o cérebro tudo isso pode ser entendido como informação de perigo. por isso, o estudo da psiconeuroimunologia exige sobretudo a compreensão da ação do estímulo virtual, o qual é fruto de experiências individuais e que gera interpretações as quais o organismo reage independente de essa interpretação ser errônea ou não, porque ela acontece automaticamente e possui significado simbólico, ou seja, aquilo que o estímulo representa na vida da pessoa desencadeia todo o mecanismo no funcionamento de seu organismo (como as alterações químicas produzidas pelo estresse). isso quer dizer que, apesar de parecer ingênuo, mudar a forma de encarar a informação pode melhorar o modo de funcionamento do organismo, pois a emoção tem de ser resolvida: literalmente, deixar o medo ou a raiva em aberto provoca desequilíbrios bioquímicos (como adrenalina e cortisol em demasia) e mais comportamentos errôneos em busca de suprir as necessidades. aceitar e expressar conduz à resolução da emoção, e esta é também uma via de sobrevivência do organismo, pois permite que sejam fechados os ciclos.
referências:
Psiconeuroimunologia: A relação entre o sistema nervoso central e o sistema imunológico. Marques-Deak & Sternberg. Rev. Bras. Psiquiatr. vol.26 no.3 São Paulo Sept. 2004
Visão atual: a psiconeuroimunologia. REICHE, E. V,; ZAHA-INOUYE, M. M,; PONTELLO, R. Semina. 12(2). 91-94. jun. 1991
EMOÇÕES E SISTEMA IMUNOLÓGICO: UM OLHAR SOBRE A PSICONEUROIMUNOLOGIA. Maia, A. C. PSICOLOGIA: TEORIA, INVESTIGAÇÃO E PRÁTICA, 2002, 2, 207-225
Psiconeuroimunologia. Bottura W. Rev Med (São Paulo). 2007 jan.-mar.;86(1):1-5.
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