a experiência dos estados depressivos não é percebida como algo de errado; dizer isso suporia que existe um estado diferente e variado desse.
na verdade toda experiência parece apenas conferir contorno, e essa sensação (à prova do nome) é um núcleo composto.
o tempo fica oco.
tem-se enfraquecida a auto-percepção elementar de ser, por si mesmo, real. todo o horror da dormência ininterrupta escapa da forma que o conceito poderia conferir - assim, não se pode passar à frente. me questiono se alguém um dia foi de fato capaz de falar da depressão... semelhante à uma toxina que cobre por completo e dissimuladamente o chão que se pretende pisar. sensação ideia movimento e ação, qualquer fluxo cabal é alcançado, infectado, desfalcado, desfalecido. e não, ainda não é o bastante relatar em termos de enfermidade física, porque dessas se conhece a causa, a maneira de manifestação, o tratamento. dessas existe um desenho, uma imagem... dessas há a ideia. e a depressão enquanto atuante não se parece absolutamente a uma enfermidade como se conhece; ela parece sempre ter estado ali, imutável e lenta como a tortura que mal se dá conta de tão afixada e constante e parte de si. não se isola a depressão do depressivo; não se tem um sujeito intacto, livre da manifestação e do resquício. ela se nida, primeiro como um pequeno ponto desbotado, e logo se ramifica e percorre a totalidade do corpo e também daquilo que não parece ser corpo, gigante e autoritária não se contentando com a dimensão interna - expande seus galhos espinhentos ignorando o sofrimento que gera ultrapassar à força a matéria própria. o corpo se converte em meio. o sujeito se concebe origo e seu corpo é apenas domínio, instrumento, ferramenta de extensão... espacial, construção deformada que não pára por si mesma toma os objetos, os cômodos, a natureza, as pessoas. tudo aquilo que se concebe e declara, tudo aquilo que se cria e parte de si mesmo só existe primeiro com seu aval. não é possível expressão independente. você perde por completo sua autonomia, seu livre-arbítrio.
olho as coisas e as coisas me olham de volta muito tristes.
não, não tristes, e sim um algo anterior à tristeza, porque a tristeza é a própria qualidade que se dá ao perceber o que acontece; a tristeza procede em geral de um motivo, algo externo. não. o redor é apenas a exemplo de um vácuo... vazio. um ralo sugando, um ralo com um triturador ao fundo. quieto não como a placidez e a paz, e sim como a ausência de estímulo que perturba, que faz sofrer.
ausência.
tudo que há fora não parece existir dentro, então tudo que há fora não faz sentido, não importa, não se alcança. não se alcança a coisa nem a pessoa - mesmo quando se toca e se fala é numa realidade artificial, mediada; os sentidos se dão apenas através-de.
no princípio de um afogamento o corpo entra em colapso e se debate desesperada e involuntariamente, reagindo à falta de oxigenação. ao mesmo tempo que você se move por instinto, sente absurdamente - a água em torno, gelada e entrando por todos os buracos, o medo a ansiedade o terror a vontade de sobreviver. mas o restante do afogamento é quieto... você é consumido, não sente e não reage, não parece consciente, mantém os olhos abertos inchando, padecendo devagar, preso num pânico eterno e longíquo. a cadeia natural não te permite a escolha - você não pára de tentar, mas a carência do essencial te vence.
a recorrência da depressão ativa apenas uma raiva enrustida, mas, sem energia pra vencer a resistência do interno, se ressente apenas latejando. e depois de tanto esforço, resta a resignação; acostuma-se. você aceita a realidade disponível. não, o antes não é esquecido, mas você duvida da veracidade: não se distingue um início ou um fator unidade determinante, e se o faz é apenas por intenções didáticas.
é como um estado de sublimação da consciência em que continuam a te tratar como integralmente desperto.
parcial encarceramento.
o vislumbre de si é uma memória inventada pro consolo.
não se cura. uma vez conhecido o lugar o que se pode fazer é controlar, artificial e minuciosamente, os inúmeros caminhos que te seduzem a ele. pêndulo, você tende; é necessário treinamento intensivo, observação máxima, construção de hábitos e indução de diversos fatores que não se escolheria por si mesmo pra evitar ou retardar esse retorno.
se morre de medo; atenta-se a qualquer mínimo indício, como uma perseguição paranoide. ao mesmo tempo que tanto se foge, quando ela encontra uma brecha que seja e se planta novamente pontinho desbotado, o processo é muito mais rápido. você conhece, você sabe - seu corpo decorou o percurso do declínio. pouco é novo, mas a experiência é sempre outra, afinal, são infinitas as maneiras de não se poder dizer algo.
e então (não se sabe há quanto tempo) ela te encara faminta através do espelho e, sem boca ou língua materna, você entende a mensagem opaca
voltei
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