Sendo bem categórica, a maioria das pessoas não quer se relacionar conosco.
“Querer”, em um relacionamento, envolve mais que atração ou status. Envolve ação e doação - estar disposto a deixar sua zona de conforto se necessário e a fazer concessões visando o entendimento mútuo; estar disposto a alterar convicções infundadas e ter a intenção consistente de permanecer.
É comum que os portadores passem por diversos abusos enquanto o quadro não se estabiliza com o tratamento.
O abuso infantil é determinante pra solidificação do transtorno, mas o foco do texto são os abusos posteriores.
As emoções intensificadas e o medo do abandono costumam ser conclusivos pra uma posição, NÃO PROPOSITAL, de dependência emocional e submissão. Em geral os portadores não possuem rede de apoio satisfatória, e por isso os relacionamentos costumam assumir posição central e de controle sobre a vida, respondendo aos padrões de instabilidade que refletem a patologia.
Essas pessoas são eleitas, também não propositalmente, como cuidadores. Lembrem-se que os portadores sofrem de carências afetivas intensas desde tenra idade (o que não significa que isso não possa e não deva ser trabalhado).
Afinal, é óbvio que ninguém deseja um status domesticado, eternamente encarcerado nas atitudes alheias. Mas é o que acontece.
Nem sempre por livre vontade, mas em geral SIM - e posso dizer isso porque 1) o conhecimento sobre o comportamento de neuroatípicos é escasso 2) e a opressão de gênero constrói homens potencialmente abusadores - essa dependência é notada e extrapolada.
O abuso do portador do TPB se ancora em dois fatores que respondem a uma hierarquia: primeiro, a sintomática da dependência que nos expõe aos abusadores, e segundo e mais importante, o próprio abusador.
A problemática central do abuso é que na maioria das vezes a vítima não tem de fato noção do contexto holisticamente. O apego e a ausência de rede de apoio desenvolvem um comportamento submisso que não se corrige apenas pelo conhecimento teórico. Você pode, por exemplo, ser feminista e estudar sobre a panorâmica da opressão; mas isso não é, nunca é, suficiente quando o contexto cultural e no respectivo caso, um transtorno de personalidade, funcionam como uma contra-corrente, te expondo e expondo.
O senso de identidade e a auto estima no TPB são abalados desde os alicerces. Você acredita que aquilo é tudo que “alguém como você” pode conseguir, que merece o sofrimento por ser alguém inerentemente ruim, que é um favor aguentar você e que sem aquela pessoa você estará completamente sozinha.
Ter TPB, longe dos tratamentos eficazes, é viver um relacionamento abusivo consigo mesmo. Suas relações refletem isso.
Seus auto cuidado e auto preservação são mínimos, quando não inexistentes.
O portador passa por abandonos durante toda a vida, ainda que não conscientemente perceba, muitas vezes pela imaturidade. O trauma se consuma e você faz de tudo, até mesmo se violentar e permitir que te violentem, pra manter aquilo “vivo”.
As experiências são muito traumáticas e fortalecem uma atitude de vigilância patológica, beirando a paranoia, ansiedade e pânico ao menor indício de desafeto, uma auto defesa que explode em ataque e a total incredibilidade de que você pode ser ou é realmente amado.
Porque quase sempre esse “amor” é deturpado.
Minha mãe sempre me disse algo durante minhas próprias experiências de abuso - não sei também quanto de consolo existe nessa verdade (muitas vezes imperceptível pela naturalidade das relações medíocres): a maioria de nós não aprendeu a amar saudavelmente. Nós nos ocupamos em afetos frívolos e rasos porque parece seguro - já que assim se pode construir relações “em cima do muro”, sem assumir compromissos ou posições menos egoicas.
Se você diz amar alguém e não está apto a fazer concessões, você mente.
E os neuroatípicos são relegados àquele status de opção inviável.
Nós não somos assumidos.
Nós suscitamos vergonha.
Nossos gostos e interesses são marginalizados e não são assunto; não somos conhecidos, aprendidos, e tudo aquilo que trazemos é também humilhado.
Nós somos tidos como ridículos e fazem de tudo pra nos esconder. Nos fazem acreditar que nossa companhia é um pêsame.
Nós assumimos uma postura de intensas vergonha e depreciação próprias. Não somos suficientes, bons o bastante. E enterramos a doença lá no fundo por constrangimento aprendido - como se fosse possível -, acumulando e exacerbando a dor psicológica.
Eu entendo que acreditem que uma relação conosco não é fácil, já que SIM, nós temos necessidades particulares e algumas questões precisam ser aprendidas e postas em prática pra que nos sintamos seguros. E de vez em quando acontecem SIM, crises de ansiedade, dissociação ou pânico, mas com uma leitura básica e paciência é possível contornar.
Como eu já disse, TODO MUNDO tem necessidades próprias. Não é um demérito nosso.
Estar na companhia de certas pessoas compreende odiar profundamente a si mesmo.
E não há nunca nenhuma atitude que nos prove que somos bonitos, inteligentes, agradáveis, amados.
Então não ousem dizer a uma vítima de abuso que ela é imatura ou mal resolvida em relação às suas experiências. Isso deve SIM ser trabalhado, mas superar não significa perdoar ou entender os agressores e sim a SI MESMO. porque sofrer um abuso envolve SE CULPAR INSUPORTAVELMENTE, e se sentir burro e ridículo.
Você não precisa sofrer pra aprender qualquer lição. A violência não é lição.
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