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questionar o TPB é questionar CARÊNCIAS SOCIAIS

O fato de que o TPB é uma classificação relativamente nova NÃO JUSTIFICA as assertivas redutoras e discriminatórias que preenchem não apenas a literatura de senso comum, mas também a científica.


O transtorno te fragmenta a noção de si e consequentemente a noção do próprio transtorno - ainda se busca excessivamente definir limites entre o “eu verdadeiro” e o transtorno de personalidade, como se isso fosse relevante; se o indivíduo vive eternamente a esmo quanto a si mesmo e tem na ciência  única possibilidade de encontro e tradução das agonias que até então não têm nome nem origem, o que resta a esse indivíduo se essa mesma ciência o abandona?


Literatura discriminatória cria profissionais mal instruídos, que por sua vez criam mais literatura discriminatória.


E aquele portador já fragilizado cujos esclarecimento e senso crítico se encontram no mesmo estado se defronta com taxações fundamentadas em

a) na baixa credibilidade que esses pesquisadores conferem às queixas superlativas de seus pacientes (majoritariamente mulheres), possivelmente rotulando-os como exagerados, dramáticos e histéricos sem considerar que o amorfo e a falta de dimensão das emoções são características CONSTITUTIVAS do transtorno - o velho privilégio de se pesquisar sobre patologias psíquicas avaliando apenas da perspectiva do devir-doutor;

b) a primazia de uma razão absoluta, a partir da qual mesmo as subversões da loucura são delineadas, permite que o pesquisador seja irresponsável em nome da “segurança”; mexer com a loucura envolve muito mais que anomalias orgânicas: ainda que haja predisposição, TODO TRANSTORNO SE ESTRUTURA POLÍTICA E CULTURALMENTE. Restringir a análise a critérios e informações pré-estabelecidos e unilaterais apenas reproduz modelos antiquados e comprometedores da própria saúde - que fingem defender. É preciso um apanhado aguçado e crítico desde a cultura às experiências pessoais específicas e desencadeadoras.

As doenças mentais se ancoram também no TEMPO e no ESPAÇO.

c) a ignorância e o menosprezo do CARÁTER POLÍTICO DA LÍNGUA é um mal derivado também da segregação das áreas do conhecimento; é saber muito especificamente, saber muito sobre quase nada. não existe uma correlação efetiva entre ciências sociais, análise do discurso, filosofia analítica ou semântica dentro da medicina, em parte devido à inclinação elitista proferida ao curso, e em parte devido às próprias estruturas de manutenção do poder. cada vez mais a medicina se torna mecânica, tecnicista, distanciada do humano na concepção da hierarquia médico-paciente e na do corpo-máquina cujos domínio mental e corporal se distinguem drasticamente. É gritante como o uso da língua nos manuais e artigos é descuidado e assujeitado, ecoando o descrédito e a exclusão sobre os portadores.


Os estudos não se aprofundam, não discutem entre si, não ponderam, não chegam a um consenso que providencie práticas clínicas otimizadas.

As ideias de que os portadores de TPB são deliberadamente dependentes, manipuladores, infantis, obsessivos, exploradores, perigosos e etc prosseguem sendo reforçadas mesmo em publicações atuais. 

Nossas relações são hiperdramáticas e teatrais; os ataques de fúria descambam em homicídios; nossos laços são descartáveis e transferíveis, nossa sexualidade é promíscua, nossas orientação e gênero são duvidosas, nossos traumas de rejeição e abandono se manifestam sempre irracionais, incomodamos e sobrecarregamos os profissionais com nossos desarranjos obsessivos, nos expomos por pura e artificial impulsividade a situações de autoabuso, manipulamos para conseguir a culpa alheia, nossas automutilação e tentativas de suicídio acontecem conscientemente para chamar atenção, qualquer frivolidade é suficiente para desencadear a paranoia - porque essa literatura insiste em nos publicar como estereótipos intensamente ridicularizados do “louco”.


Segundo alguns exemplos dessa literatura, é comum que tenhamos fantasias eróticas com nossos terapeutas, nosso transtorno de identidade é definido em termos de “o terapeuta não reconhecer o paciente na segunda visita”, a despersonalização é “ver distorcidas partes do corpo”.


Pouco ou nada se fala sobre os aspectos genéticos e neurobiológicos do transtorno, e sua gênese e manifestação são sempre atravessadas de misticismo e desencontros teóricos; as experiências cíclicas de abuso e abandonos REAIS são menosprezadas e postas em dúvida. Transtornos mentais são, “normalmente”, marginalizados e deslegitimados - mas, já imerso nesse espaço de marginalização, o TPB - não apenas pelas conclusões recentes sobre ser um transtorno à parte e não uma esquizofrenia com psicoses brandas -, também e principalmente pelo desinteresse e subjugação que os preconceitos propiciam, é ainda mais relegado a um status de jocosidade e teatralidade.


Ainda que as estatísticas provem que o TPB provém de predisposição congênita e traumas estruturais a nível orgânico (embrionários ou na primeira infância), tendo cerca de seis zonas cerebrais comprometidas (inclusive amígdala e sistema límbico), sete de nove funções cognitivas atingidas, histórico precursor e desencadeador de abusos sexuais e emocionais, apresentando um dos mais altos índices de suicídio entre os transtornos mentais (um a cada dez portadores) e causas relacionadas a negligência familiar e baixa renda, um dos maiores índices de negligência médica e diagnósticos - seguidos de tratamentos medicamentosos invasivos e incorretos, e inúmeras outras consequências sociais graves, facilitadas pela divulgação escassa e irresponsável do transtorno e tratamentos pouco eficazes, a realidade do TPB é negada também em PROVEITO ESTRUTURAL de manter mulheres submissas e apavoradas (75% dos portadores são mulheres; questionar o TPB é questionar OPRESSÃO DE GÊNERO) e de não admitir falhas sociais básicas que encabeçam crimes e adoecimentos hediondos.

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