Os critérios de diagnóstico do CID-10 são:
(a) indiferença insensível pelos sentimentos alheios;
(b) atitude flagrante e persistente de irresponsabilidade e desrespeito por normas, regras e obrigações sociais;
(c) incapacidade de manter relacionamentos, embora não haja dificuldade em estabelecê-los;
(d) muito baixa a tolerância à frustração e um baixo limiar para descarga de agressão, incluindo violência;
(e) incapacidade de experimentar culpa e de aprender com a experiência, particularmente com a punição;
(f) propensão marcante para culpar os outros ou para oferecer racionalizações plausíveis para o comportamento que levou o paciente a conflito com a sociedade (OMS, 1993, p.200).
Diversas causas, neurológicas e ambientais - esta última apresentando prevalência, visto que é possível nascer geneticamente disposto, mas não apresentar sintomas devido à ausência de estímulo externo - já foram apontadas na literatura.
As neurológicas ou orgânicas compreendem infecção cerebral, complicações obstétricas, epilepsia, persistência de ondas lentas nos lobos temporais e volume de substância branca em regiões do hemisfério direito. Altos níveis de agressividade podem estar também relacionados à desregulação de testosterona (isso embasaria também o fato de o TPA e os comportamentos considerados psicopáticos se apresentarem mais comumente em homens). Segundo Eysenck e Gudjohnsson, que elaboraram a Teoria da Excitação Geral da Criminalidade, há uma disposição biológica comum subjacente aos traços de psicopatia no TPA ou noutros transtornos. Já as causas ambientais ou sociais apontam especificamente para a importância das relações primitivas ou familiares. Negligência, abuso e maus tratos atingem a constituição desse cérebro com plasticidade mais flexível, e costumam induzir à agressividade, impulsividade, hiperatividade, distúrbios de conduta e atenção e abuso de drogas.
Não se recomenda o diagnóstico de TPA até os 18 anos, sendo indicado considerar como transtorno de conduta, já que os TP se manifestam com mais solidez no final da adolescência.
Devido à dificuldade no tratamento, Adshead propõe sete fatores para se considerar a viabilidade do trabalho terapêutico: 1) a natureza e a gravidade da patologia; 2) o grau de invasão do transtorno em outras esferas psicológicas e sociais, bem como o seu impacto no funcionamento de diferentes setores de sua vida; 3) a saúde prévia do paciente e a existência de comorbidade e fatores de risco; 4) o momento da intervenção diagnóstica e terapêutica; 5) a experiência e a disponibilidade da equipe terapêutica; 6) disponibilidade de unidades especializadas no atendimento de condições especiais; e 7) conhecimento científico sobre esse transtorno, bem como atitudes culturais em relação à concepção do tratamento.
O tratamento terapêutico deve se estabelecer não apenas diretamente com o portador, mas também através de entrevistas com a família e da aplicação de testes psicológicos, pois há risco de dissimulação por parte do paciente.
No entanto, há evidências que confirmam que portadores que apresentam traços plenos para psicopatia são imunes a qualquer terapia. Berry et al sugerem que exista “(...) uma associação entre a resposta terapêutica negativa e os seguintes fatores: antecedentes prisionais predominando sobre os hospitalares; não aceitação prévia em realizar tratamento psiquiátrico e falta de resposta ao mesmo; crime no qual a vítima era desconhecida pelo paciente; e baixo nível de motivação para o tratamento.”
Positivamente nota-se que, para os “tratáveis”, a terapia comportamental-dialética se mostra efetiva e assim pode haver estabilização sintomática por volta da quarta década de vida.
Com o objetivo de estabelecer parâmetros para a distinção de indivíduos com transtornos que contêm traços de psicopatia dos demais criminosos, Hare elaborou a escala PCL-R, um “checklist de 20 itens, recentemente validada no Brasil por Morana, com pontuação de zero a dois para cada item, perfazendo um total de 40 pontos. O ponto de corte não é estabelecido de forma rígida, mas um resultado acima de 30 pontos traduziria um psicopata típico”. São eles:
1) loquacidade/charme superficial;
2) auto-estima inflada;
3) necessidade de estimulação/tendência ao tédio;
4) mentira patológica;
5) controle/manipulação;
6) falta de remorso ou culpa;
7) afeto superficial;
8) insensibilidade/falta de empatia;
9) estilo de vida parasitário;
10) frágil controle comportamental;
11) comportamento sexual promíscuo;
12) problemas comportamentais precoces;
13) falta de metas realísticas em longo prazo;
14) impulsividade;
15) irresponsabilidade;
16) falha em assumir responsabilidade;
17) muitos relacionamentos conjugais de curta duração;
18) delinqüência juvenil;
19) revogação de liberdade condicional;
20) versatilidade criminal.
Os trabalhos de Achá (2011) e Azambuja (2014) relacionam, ainda, o TPA à criminalidade, dado à maior facilidade de descumprir regras, dificuldade ou ausência de empatia e agressividade. Foi constatado que infratores reincidentes apresentam maiores traços psicopáticos e homicidas adeptos à crueldade apresentam psicopatologias com os traços referidos. Segundo Fonseca (1997 apud Marta; Mazzoni, 2009) até 80% dos assassinos em série apresentam TPA, e é possível que 75% da população carcerária manifeste sinais psicopáticos. Quanto à definição de assassino em série (serial killer),
“(...) a definição atual e mais utilizada do termo serial killer foi dada em 1998, pelo professor Egger, de Justiça criminal da Universidade de Ilinois, em Springfild, nos Estados Unidos. Segundo Egger, para ser considerado um homicida serial, o criminoso deve cometer um segundo assassinato em um diferente momento do primeiro e, geralmente, não há relação entre o agressor e a vítima. Além disso, os homicídios posteriores, aparentemente, não se relacionam com o primeiro homicídio, e os crimes costumam ocorrer em regiões geográficas distintas. Assim, constata-se que o motivo do crime é a necessidade de o criminoso exercer controle sobre a vítima e não por lucro, ou seja, ela poderá ter valor simbólico e/ou ser carente de valor para o assassino.” (Lagos; Scapin, 2017)
O perfil de assassinos em série apresenta exceções, mas em geral se caracteriza como homens brancos e jovens que atacam preferencialmente mulheres e que cometeram seu primeiro crime antes dos 30 anos.
“A psicóloga clínica e forense Adelaide Caires (apud CASOY, 2004, p. 18) aponta – ao analisar os ‘casos brasileiros’ – alguns pontos comuns entre eles: ‘[...] infância negligenciada, violência sexual precoce, inabilidade escolar, sem norte, sem ‘casa’ e sem um agente disciplinador’”. (Marta; Mazzoni, 2010). Cerca de 82% dos assassinos em série sofreram abuso e negligência graves durante a infância. Isso não significa que toda criança vítima de violência precoce seja um assassino em potencial, e sim que algumas são mais inclinadas a isso e podem manifestar comportamento delinquente. Ainda segundo Caires, uma tríade comportamental é observada nesses indivíduos: enurese noturna (urinar na cama) em idade avançada, destruição da propriedade alheia e crueldade com animais e crianças menores.
Em razão dos abusos, o serial killer satisfaz-se em sua posição de agressor e a maioria dos crimes envolvem contato direto com a vítima; quase nunca armas de fogo são utilizadas.
Os serial killers, ainda, costumam apresentar padrões de vítimas - aquelas mais vulneráveis socialmente. Em geral, mulheres (quase sempre desacompanhadas), idosos, prostitutas, homossexuais, crianças, mendigos, imigrantes, pacientes em hospitais, e qualquer outra considerada “presa fácil”.
“Ao encontro desses dados, Vellasques (2008, p.16) afirma que ‘a polícia americana registrou, entre os anos 900 e 1959, uma média de dois assassinatos em série por ano no país, já em 1969, registraram-se pelo menos seis casos por ano’. A autora ainda relata que na década seguinte, 1970, esse número triplicou no país, e que entre os anos de 1985 a 1990 manteve-se uma média de três homicídios por mês, cometidos por serial killers.” (Lagos; Scapin, 2017)
Quanto à diferenciação no diagnóstico de TPA e outros transtornos e a presença possível de traços de psicopatia em outras psicopatologias, nota-se que o TPA é comumente confundido com transtornos neuróticos, e, principalmente, psicóticos. Em relação aos neuróticos,
“(...) um dos aspectos a ser analisado é o grau de ‘aversão ao risco’. Essa aversão predomina nos neuróticos, uma vez que essa população tem receio do que pode lhe causar algum prejuízo e culpa a si mesma pelos insucessos da vida. Por outro lado, os indivíduos portadores de transtorno de personalidade anti-social têm uma forte tendência a culpar os outros por seus insucessos e desavenças.” (Morana HCP et al, 2006)
Segundo estudo conduzido por Stone e Hare, metade dos serial killers preenche os critérios de diagnóstico para personalidade esquizoide, e certa porcentagem apresenta traços, e 87,5% dos homens apresentavam também transtorno de personalidade sádica, o que aponta correlação entre sintomas esquizóides, sádicos e psicopáticos. O transtorno esquizoide é determinado principalmente por alterações congênitas, enquanto que o sádico costuma aparecer como resposta à agressões sucessivas durante a infância. Por isso mostra-se comum a associação entre serial killers e perversões sexuais, notadamente necrofilia e canibalismo.
A possível presença de traços psicóticos durante as atividades criminosas estabelece dificuldades imputáveis no julgamento; alguns estudos sugerem que os atos violentos são cometidos como escape aos delírios e alucinações. Ballone (2005) afirma que, em geral, ambos os tipos de assassino em série (psicóticos e psicopatas) existem, sendo o primeiro sujeito à medida de segurança legislativa, enquanto o segundo tem posse de seu juízo crítico - embora também afetado por um transtorno mental que compromete seus impulsos, é consciente da consequência de seus crimes, tanto que se preocupa em não ser pego. O assassino portador de TPA “revela uma ausência de delírios e outros sinais de pensamentos irracionais, demonstrando, pelo contrário, um aumentado senso de realidade, bem como uma boa inteligência verbal.” (Marta; Mazzoni, 2010). A dimensão intelectual no TPA não é prejudicada, mas sim a capacidade de empatia. O não-psicótico se mostra mais perigoso do que o outro, por sua capacidade de dissimular emoções e aparentar estabilidade mental.
Em relação à penalidade, o Incidente de Insanidade Mental é instaurado quando o criminoso julgado não se encontra em perfeito domínio cognitivo - o que não se comprova em portadores de TPA. Em caso de crime cometido sob psicose aguda “o processo fica suspenso e o acusado é submetido ao exame, até que se comprove ou se descarte essa possibilidade. No caso de haver um quadro mental que tenha relação direta com o crime cometido, o réu é isento de pena (inimputável) e a medida de segurança é aplicada, por ser o criminoso considerado perigoso. A medida de segurança prevê tempo mínimo de internação (três anos), mas não tempo máximo. A desinternação fica condicionada à cessação de periculosidade, o que pode significar prisão perpétua em alguns casos incuráveis.” (CASOY, 2004, p.267).
Entretanto, a capacidade de determinação pode ser considerada, promovendo caso jurídico de semi-inimputabilidade. Segundo Morana (2006), “na legislação brasileira, a semi- imputabilidade faculta ao juiz diminuir a pena ou enviar o réu a um hospital para tratamento, caso haja recomendação médica de especial tratamento curativo.
A medida de segurança para realizar especial tratamento curativo é, por sua vez, bastante polêmica, devido à grande dificuldade de se tratar de forma eficaz os portadores de transtorno anti-social”.
O encarceramento não apresenta efeito sobre os criminosos com TPA e portadores de traços psicopáticos, a não ser o aumento gradativo do potencial violento. Na ausência de prisões especiais, o magistrado opta, então, pelo regime de segregação (afastamento da comunidade) por tempo indeterminado. (apud Mirabette, 2008)
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