normalmente, o que chega ao público sobre o TPB são as manifestações de agressividade, como se isso definisse o PORTADOR (julgamentos morais e direcionados mais ao caráter que ao transtorno) e acontecesse sem justificativas e em tempo integral.
como eu sempre digo: o que acontece ao indivíduo com TPB não é novo ou exclusivo, e sim intensificado até o nível patológico.
uma dessas questões, pouco debatidas objetivamente e sim por meio de preconceito e do menosprezo - é a “raiva”.
há quem chame de raiva, mas com vistas a minimizar o problema semântico eu prefiro nominar de “ira”. porque não é uma raiva comum, concernente a qualquer pessoa em situação de estresse, cujo motivo e objetos se identificam bem, e cuja duração não ultrapassa algumas horas até que o sistema se reorganize e a pessoa desopile, resolva o incômodo ou apenas espere dissipar.
porque para a maioria, as emoções mais efusivas logo desvanecem num processo natural.
No caso do TPB, toda emoção é amplificada e o controle sobre elas não depende unicamente daquele que as sente; é necessário a inter-relação entre terapia medicamentosa (em geral antidepressivos, estabilizadores de humor que agem no controle de impulsos, e antipsicóticos) e psicológica (principalmente a cognitiva-comportamental ou a dialética, que incidem mais diretamente em como se organiza o padrão de pensamento e como rompê-lo para alterar as ações).
“O desequilíbrio entre os impulsos límbicos ascendentes, exercidos por estruturas como a amígdala, e os mecanismos de controle pré-frontais descendentes poderiam ser a razão última de um comportamento agressivo-impulsivo”.
O TPB traz em seu núcleo um precário controle de impulsos; as decisões são pouco premeditadas e em geral apresentam caráter autodestrutivo. Costumam atuar como reações intensamente desreguladas a acontecimentos externos. São explosões intermitentes que, no cru da manifestação do transtorno, não são possíveis frear. os comportamentos que põem em risco a própria integridade, a ideação e as tentativas de suicídio e os episódios de agressividade e ira são exemplos dessa incapacidade de administrar impulsos; é fácil notar que os sintomas mais proeminentes do TPB se retroalimentam todos entre eles. A “raiva incontrolável” é um desses nove sintomas principais:
- esforços desmedidos para evitar abandono - real ou imaginário;
- clivagem (tenho um destaque no perfil só pra isso);
- instável auto-imagem;
- comportamentos impulsivos;
- comportamentos parassuicidas ou suicidas;
- períodos de desregulagem emocional - por horas ou dias;
- sentimentos crônicos de vazio;
- RAIVA INCONTROLÁVEL;
- dissociação.
quando não tratados, os episódios desembocam em dilacerantes dificuldades relacionais, possivelmente permeadas por discussões acaloradas em que agressões verbais e físicas podem ocorrer (mutuamente); é comum que essa ira se volte tanto para o externo quanto para o interno, através dos ciclos de auto-desprezo, automutilação e tentativas de suicídio, já que o portador apresenta o padrão de se desprezar e se culpar por TODOS os problemas que surgem.
de acordo com alguns estudos que já postei no Instagram e posteriormente ctrl+c e ctrl+v aqui, essa ira é enraizada nos eventos estressores da fase pré-verbal da infância; a criança não compreende a emoção nem seu gatilho, e demonstra o sofrimento psíquico por meios físicos.
Nos momentos de ira, a adrenalina dispara e a energia e força físicas aumentam consideravelmente. essa energia precisa ser gasta de alguma maneira, mas em geral, sem tratamento, o indivíduo com TPB não possui artifícios pra tornar as sensações cognitivas, já que há falhas na função executiva de capacidade de resolução de problemas, e por isso a agressividade se externa, como tentativa de fuga de um colapso mental.
a ira no TPB (que em sua maioria dura o suficiente apenas para ser externada) pode envolver destruição de objetos, automutilação, gritos (nem sempre é possível verbalizar) e tentativa de suicídio.
os medicamentos pra controle de impulsos em conjunto com as estratégias da terapia ensinam você a ser capaz, ainda que minimamente, de entrar em contato com os outros explicitando (mesmo que em palavras desconexas) as sensações - sempre todas juntas, sem limites definidos sobre o que são ou onde começam, e principalmente, como pará-las.
algumas “bandeiras vermelhas” indicam que os episódios se manifestarão, mas são muito particulares (os sintomas são descritos em consenso, mas se realizam de forma diferente em cada pessoa) e somente com o tempo é possível captar.
ataques de pânico e crises de ansiedade precedem; é comum que você sinta o coração disparar em intervalos, o estômago quente e refluxo gástrico, tremores nas mãos ou no rosto, pensamento acelerado de forma que não se identifica qual aquele predominante, visão embaçada, náusea, calor na face, clivagem (splitting) e dissociação (talvez a pior “bandeira vermelha”, porque é como se você aos poucos perdesse a noção de quem é e das atitudes e modos de pensar próprios a você, e de repente te parece que tudo o que você considerava “próprio” ou “seu” se esfumaça e o que sobra é apenas a raiva, a dor sem origem ou destino precisos e o desespero de não saber como recuperar a si mesmo).
toda a ira no borderline é resposta ao medo e à ansiedade extremados. toda manifestação de agressividade não se desenvolve de um caráter inerentemente “mau” (deixemos o julgamento moral fora da objetividade sobre transtornos de personalidade) e sim da falta de esclarecimento, tratamento e autotrabalho.
existe controle, ainda que os portadores sempre venham a apresentar emoções ímpares em modo e intensidade, e com acompanhamento é possível até mesmo a remissão do transtorno por volta das terceira ou quarta décadas de vida.
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