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Considerações sobre o perfil psicológico dos atiradores em escolas

É comum que criminosos violentos tenham sua sanidade mental questionada.

De fato, a violência extrema choca e costuma ser imputada de pertencer a alguma anomalia, com intenção de distanciar casos semelhantes da população em geral.

Responsabilizar unicamente a mentalidade ou o caráter do criminoso é o modo encontrado pelos indivíduos para se sentirem mais seguros.


School shooters, termo designado para os atiradores que empreendem atentados em escolas, são comumente rotulados de psicopatas.


Mas pesquisas recentes sobre o perfil psicológico desses atiradores revelam que não se tratavam de doentes mentais, o que suscita a hipótese de que sim, a violência extrema deriva de alguma anomalia, mas não necessariamente psicopatológica, e sim social.

E a divulgação fundamentada de que nem todos os responsáveis por crimes bárbaros são doentes mentais colabora para desestigmatizar a psicopatologia, além de oferecer recursos para o entendimento da gênese da violência.


Em artigo de 2009, o psicólogo Timóteo Madaleno traça possíveis perfis psicológicos de atiradores em escolas e argumenta sobre a influência da criação e da exposição precoce à agressão.


Os school shooters, de acordo com vários autores citados no artigo, declaram que seu ataque não é especificamente contra os alunos vítimas, mas sim contra a instituição. Quando analisados em conjunto, os casos convergem para o fato de que os atiradores se tratavam de alunos desajustados e solitários (outsiders), pouco ou nada capazes de lidar com perdas pessoais, atraídos por mídia violenta e que sofreram ou sofriam humilhações constantes e perseguições no ambiente escolar.


Segundo Thompson e Ken Kyle (2005), deve-se atentar mais para os perfis dos ambientes e contextos dos massacres do que para os perfis dos atiradores.


O artigo afirma a influência do meio e exemplifica com o experimento de Stanford comandado por Zimbardo em 1971, quando pessoas psicologicamente saudáveis foram confinadas sob papéis de guardas ou prisioneiros. O experimento teve de ser interrompido seis dias depois, antes de sua conclusão, pois os participantes começaram a apresentar sinais de instabilidade emocional e perda do senso da realidade. Os presos se rebelavam brutalmente e os guardas respondiam com intensos castigos físicos e humilhações morais. As conclusões apontam para a violência quase incontrolável como reações a ambientes insalubres, onde integridades são feridas constantemente, e para a violência presente no homem médio, que quando detém o poder e recebe ordens, contraria a própria moral e se mostra abusador.


A Teoria dos Sistemas Ecológicos, de Bronfenbrenner (1996), desenvolve a importância da ecologia das relações dentro do ambiente familiar, primeiro microssistema de afeto e de segurança que a criança possui. Bronfenbrenner aponta para a indispensabilidade das relações saudáveis entre pais e filhos para a modulação de uma personalidade estável mesmo diante de estresses.


Assim, muitos afirmam que por trás de crimes dessa natureza é provável que exista uma família responsável por trás. Isso não significa que a família é a causa, e sim parte do processo. 


Quando não sujeitos à negligência e traumas na infância, os atiradores (e outros envolvidos em crimes) possuem famílias que, apesar de oferecer afeto e manterem um relacionamento aparentemente tranquilo, não eram responsáveis e atentas a ponto de monitorar e se interessar pelo que faziam ou como se sentiam os filhos. Eram relapsas e não desconfiaram que essas crianças e adolescentes enfrentavam problemas que os desorganizavam emocionalmente, adeptos à ideias de agressão externa e/ou suicídio.


O papel das psicopatologias em crimes bárbaros não deve ser minimizado, mas questionado. Ainda que esses atiradores apresentassem perfil ou diagnóstico de transtorno mental, haveria um Estado negligente a quem culpar. Em caso de doença ou não, tragédias como essa seriam previstas ou mesmo evitadas se os serviços sociais de saúde mental e os profissionais fossem mais numerosos, acessíveis e constantes desde a infância, afinal, os cuidados com o emocional e o psicológico não se restringem àqueles que apresentam sintomas.


O fato de school shooters se mostrarem mais comuns nos EUA não restringe o fenômeno a essa topografia; na verdade, a influência da cultura paramilitar norte-americana que glorifica a violência e a permissão de porte de armas se mostram os principais responsáveis pelo número de atentados em escolas do país.


O maior facilitador da violência é o acesso indiscriminado a meios de comete-la.


Na maioria das vezes, esses atentados são sucedidos pelo suicídio dos atiradores, mas isso pouco recebe atenção da mídia. Solomon (2002) orienta que o entendimento deve começar pelo suicídio, já que a agressão do ato pode se voltar para fora. Isso se fundamenta na teoria de Menninger, em que o suicídio compreende três impulsos: o desejo de matar, o desejo de ser morto e o desejo de morrer. No caso dos atiradores, o desejo de matar se mostrava maior do que na maioria dos suicidas.


Solomon traz ainda que “algumas pessoas obviamente problemáticas não recebem nenhum tratamento e outras mantém total sigilo sobre sua vida íntima; a maioria dos homicídios-suicídios é cometida por pessoas que se situam em algum ponto no meio desse espectro”, o que abre debate sobre a cultura da privacidade mental que silencia mesmo profundas desordens emocionais.


“Se quisermos conter a violência, precisamos começar por conter o desespero”, afirma.


Fontes: Vieira, T. M., Mendes, F. D. C. & Guimarães, L. C. (2009). De Columbine à Virgínia Tech: Reflexões com Base Empírica sobre um Fenômeno em Expansão.

Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/prc/v22n3/v22n3a21.pdf


Solomon, Andrew. Um crime da solidão: reflexões sobre o suicídio, 2018.



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