A exploração do corpo feminino sustenta a economia.
E como toda mercadoria, não possui um valor NATURAL E INTRÍNSECO pelos próprios atributos. só é imbuída de valor enquanto na RELAÇÃO com outra mercadoria.
“Mulheres” - e eu falo dessa coisa a qual nos chamam e nos dizem ser, mas que na verdade foi inteira arquitetada pelo desejo fálico - são a TROCA cerne do capital.
E havendo valor apenas na relação, essas mesmas mulheres são reduzidas ao desejo externo e julgadas em termos de melhores ou piores.
O mercado das mulheres só existe no sistema de DIFERENÇA entre seus objetos - mas simultaneamente EQUIVALE esses mesmos objetos no contexto de que 1) não possuem propriedades particulares e assim podem ser abstraídos de humanidade e 2) toda diferença se ancora em um elo, e como é o desejo fálico que cria o valor, é ele o responsável pelo caráter FANTASÍSTICO dotado às mercadorias.
As duas razões se entrelaçam: corpos deliberadamente criados não possuem idiossincrasias.
Então esses homens se apropriam de mulheres cujo valor só existe na transação de bens. A mulher-moeda não é “mais ou menos” valorosa do que outra mulher-moeda, e sim mais ou menos valorosa do que a mulher-criada pelo desejo fálico para funcionar como moeda. O que significa que embora essa classificação nos seja exterior, ela nos define a rinha - e é apenas na COMPARAÇÃO e na RIVALIDADE que nosso contato pode ser estruturado.
A mulher é lugar fragmentado pelo mercado; elas para eles, cujo valor se dá no reflexo pormenorizado de seus desejos; elas entre elas, apartadas e ignorantes das suas semelhanças políticas; e elas e seus “si”, desconhecidas e estranhas, uma vez que domesticadas na economia do desprezo ao feminino.
As mulheres possuem um duplo uso mutualista: privado, encerradas no ambiente doméstico, e social, explicadas por sua força de trabalho reprodutivo e sexual. Sendo assim reduzidas a SÍMBOLOS, uma vez que representam o reflexo do desejo e da aspiração masculina num ESPELHO PLANO, avaliadas a partir de REFERENTES FETICHIZADOS E SEM FUNDAMENTO, significando outra coisa senão elas próprias - coisa essa que responde sempre a interesses do outrem-homem. E eu deixo aqui uma comparação ao elemento signo definido por Saussure em 1916: uma coisa é o que a outra não é. Nós só somos uma outra mulher que nos fazem acreditar ser nossa próxima, mas que na verdade se trata de um protótipo idealizado capital e culturalmente. Daí nasce a realidade. Só existimos na comparação com o ininteligível. E essa é a manobra pra segregar a emancipação intelectual e sexual das mulheres, já que isso só poderia se realizar num espaço entre-mulheres, visto que suas experiências em comum são POLÍTICAS - ainda que as vertentes sejam coerentemente específicas, as opressões abatem todas.
Toda mercadoria é FABRICADA visando atender necessidades. Sendo o homem o único sujeito detentor dos critérios, fazem das mulheres projeções de seus quereres.
Esse “a-mais” de uma mulher não reside NUNCA no valor próprio de sua personalidade. Não existe liberdade no patriarcado e sim miragens e quimeras de liberdade que em geral tendem a alimentar a vontade masculina. Essa mulher-padrão ou modelo de valor NÃO EXISTE. E por isso o adoecimento e a chamada HISTERIA por nunca atingir o que seria “o bastante”.
O valor a que me refiro se trata da FEMINILIDADE. E a feminilidade não se restringe ao que se pode definir vulgarmente como delicado ou submisso. Há inúmeros padrões que se constituem no conviver da opressão, na busca incessante e desumanizante de adequação.
Atenção agora: a mulher social responde à necessidade de ser FLUIDA. Ela é impedida de desenvolver a maior parte de sua vontade devido à estrutura patriarcal de pertencer e ser boa “para” (eles); o que significa que se estabiliza na MUDANÇA, tendendo a performar essa feminilidade que corre com o tempo, com o espaço, com o sujeito-homem. E isso se concretiza desde a moda e da estética às maneiras, aos gestos, aos comportamentos. Uma obrigação pela igualdade perante os valores desse homem que impõe - eis aí a característica central da feminilidade, o MIMETISMO. Tomo a liberdade então de trazer, como consequência disso, a patologia psíquica, e como eu costumo de associar a sintomática do Borderline ao gênero, especifico: uma das características enunciadas veementemente aos portadores é a não noção da própria identidade, ecoando assim numa adaptação despersonalizante de acordo com cada pessoa e relação. Deixo em aberto o questionamento se essa, assim como outras características listadas não apenas sobre o TPB mas sobre outras patologias, não seria uma manifestação da opressão social que se descontrola por pré-disposições.
Se a política define o discurso e o discurso define a política, é lógico que as mulheres sejam silenciadas e não possuam (visto que a inserção nesse sistema é inevitável e muitas vezes imperceptível) uma linguagem própria sobre o que sofrem. Os movimentos de libertação buscam exatamente essa reunião de discursos que, inicialmente caóticos e incompreensíveis, se desenvolvem em fatos políticos e podem ser reivindicados.
Mas não há revolução sem destruição do discurso vigente, proclamado única e exclusivamente pelo homem, e a partir da linguagem dele próprio - pois é a que possuímos no momento e a que pode se fazer entender.
A natureza do feminino é cooptada pelo social e assim não a temos acesso. É desconhecida, enigmática e fragmentada. Faz sentido que o imaginário popular fomente uma ideia de que nós somos não apenas incompreensíveis e difíceis, como histéricas e animalizadas.
A maioria das doenças psiquiátricas que acometem mulheres são lineares a essa exploração pelo gênero e se encabeçam na identidade.
E esse padrão imposto não tem utilidade nenhuma para as mulheres. Não nos beneficia de forma alguma senão pela medíocre e transitória ilusão de que estamos agradando e correspondendo.
Relembro que o feminismo enquanto coletivo múltiplo de libertação de mulheres não tem obrigação de falar do homem. Mas como eu sei que o discurso de uma mulher é tomado como vitimismo é exagero, deixo claro que o homem também é surrupiado pela cultura que ele próprio cria. É o sujeito e estandarte que ainda assim também é afetado pois se insere na cultura. Logicamente em forma e escala diferentes, mas o desejo do homem é fabricado, fetichizado e principalmente PORNIFICADO.
Comentários
Postar um comentário